Tratarem-me por senhor, quem diria hein? No meio da imundice, do fogo,
do metal, do sangue, da chuva ando eu, a vaguear como se essa fosse a minha
profissão, como se fosse a minha lei.
Assim é a minha jornada diária, vaguei-o por tudo o que é caminho, pego
no que me salta á vista pois posso sempre necessitar e neste caso preciso
sempre. Neste caso que é o meu, o de sem abrigo. E não podia deixar de notar
naquele brilho que me deixa cego vindo de uma valeta por onde passava. Afinal,
desde quando é que uma valeta brilha? Era o sol que batia fortemente num pedaço
de vidro que ali estava por cima de algo meio imperceptível, este caderno, ou
melhor, este diário. No meio da minha imundice estico a mão e tiro do meio da
valeta lamancenta o diário.
“ Mas que raio é isto?”- penso para mim e talvez por uma intuição
divina, começo a lê-lo ( pelo menos do que se consegue ler ) e não posso deixar
de reparar que este é o diário que a Inês tanto levava de um lado para o outro
e onde ela me trata por “senhor”. Senhor? Eu? Por ser o sem abrigo que ela
gostava tanto? Isto deixa-me confuso. Ainda hoje me pergunto que se eu tivesse
trocado de lugar com ela naquele famoso e misterioso acidente de carro, se ela
realmente chegava ao seu destino. Ela que realmente tinha um futuro pela frente, desvaneceu ali, desapareceu assim, do nada e eu do nada continuo aqui. O mais
curioso de tudo, é que nada restou, tirando este cadernito. Cadernito do qual,
eu, o vagabundo que nem sabe se deve revelar o seu nome ou não, continua a
existir e do qual, quem sabe, voltará a ser escrito.
Por isto tudo, pergunto-me, serei senhor da sorte ou do azar?
Sem nome, 15 Novembro 2016
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